Em órbita

Íamos viajar de férias e precisávamos de novas malas. Morávamos próximo a um grande shopping onde havia boas opções. Fomos a pé. De mãos dadas, curtíamos o tempo folgado da manhã sem compromissos. Em meio ao furdunço das ruas, conversávamos, dávamos risadas.
No que passamos pela porta do shopping sentimos o contraste do ambiente asséptico com a cidade lá fora. É como entrar numa bolha.
Não tivemos dificuldades em achar as malas. Já sabíamos mais ou menos o que queríamos e logo seguíamos pelos corredores, cada um puxando a sua. Perambulamos um pouco olhando vitrines, parávamos aqui e ali, mas seguíamos sempre. A ideia era não demorar, embora no rumo de saída sempre surgisse um atrativo qualquer...
Então, um vestido chamou a atenção e entramos numa loja. Depois dessa, outras vitrines, outras peças, calçados, bolsas, nenhuma compra e foi-se aí um bom tempo. O bastante para que já estivéssemos abduzidos pela grande redoma.
Ao perguntar o preço de umas sandálias, cheguei a estranhar o sotaque carioca de um vendedor. A abstração da cidade era tal que tanto fazia estar no Rio, em São Paulo, ou no Recife, quem sabe, Porto Alegre. Seria Buenos Aires?
Precisava sentar. Ela experimentava perfumes. Vi umas poltronas numa área atapetada e ali me acomodei. Quando relaxava, dei por falta da mala. Esqueci em alguma loja? Mas em qual?  
Na perfumaria ela decidia entre uma uma ou outra fragrância. Reparei que também não estava com sua mala. Não tive tempo de falar porque, ao me perceber, estendeu o braço em que passara a amostra e perguntou sorrindo:
"Você gosta?"
Cheirei ligeiro e disse
"É ótimo, mas..."
"E este?"
Disse estendendo o outro braço.
"Também é muito bom... mas, as malas... onde estão as malas?"
Arrancados da espécie de transe que nos capturara, saímos batidos pelos corredores procurando refazer o roteiro percorrido. Passos apressados atropelavam o olhar descansado com que até então flanávamos por ali. A radical mudança de humor alterava também a percepção do ambiente. Nada mais nos impressionava, ou seduzia. Estávamos constrangidos com a própria desatenção. Blindados, simplesmente passávamos.
Entramos em muitas lojas, subimos, descemos e nada das malas. Mas, ao passar em frente a uma livraria, lembrei-me que andava à busca de guias sobre alguns países. Olhamos um para o outro e entramos.
A pausa na correria nos fez bem. Compramos livros sobre Portugal, Itália, Holanda, uma antologia de Drummond e uma seleção de poesias eróticas, traduzidas.
Na fila do caixa procurávamos lembrar de outras lojas onde  entramos. Embora não falássemos alto, a situação da fila possibilitou que a mulher, logo atrás, nos escutasse.
"Desculpem, mas ouvi sem querer a conversa e sei onde vocês esqueceram as malas".
Era a gerente da primeira loja onde paramos. A do vestido bonito.
Cláudia ficou linda nele!
Pusemos tudo numa das malas. Vestido, livros, e, de quebra, um par de tênis que também me dei de presente.

- Cristiano Ottoni de Menezes (inédito/2016)

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